Líquenes como Indicadores da Qualidade do Ar
"Jornal Edição de 02-02-2007"
SECÇÃO: Sociedade
Ambiente
Frequentemente ignorados e pisados na rua, conseguem sobreviver no espaço, são a base da vida nos pólos e desertos e até deram cor a pinturas rupestres. Entre os primeiros seres vivos conhecidos, os líquenes são actualmente «vigilantes da natureza».
Origem (Foto): Wikipédia, a enciclopédia livre.
Excelentes indicadores sobre a poluição atmosférica, apresentam também uma relação directa inversa com a saúde humana: onde há menos líquenes existem mais doenças respiratórias, explicou a investigadora Cristina Branquinho, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
A bióloga conta o caso de um colega italiano que apresentou num congresso um estudo de uma determinada região onde apresentava num mapa as diferentes m anchas consoante apresentavam mais ou menos líquenes, o que significava menos ou mais poluição do ar.
No final, chegou-se ao pé do cientista alguém que tinha ouvido a sua intervenção e disse-lhe: «Eu tenho um mapa igual ao seu».
Era um médico que fizera um estudo sobre a incidência do cancro de pulmão na mesma região e os resultados coincidiam porque nas áreas onde o biólogo detectara menos líquenes o clínico identificara mais casos de cancro de pulmão.
De cores, formas e tamanhos variáveis, podem ser quase invisíveis a olho nu, ter meio metro de altura como sucede nas tundras geladas do Ártico ou ter a forma de um novelo e rolar pelos desertos africanos como mostram os documentários sobre vida selvagem.
Calculam os cientistas que esta associação se desenvolva há 400 milhões de anos, quando algas que viviam na água e com capacidade para utilizar a luz solar começaram a deslocar-se para terra, encontrando aí os fungos, que também iniciavam a colonização do planeta.
Estes têm a particularidade de não conseguirem utilizar a luz solar em seu proveito directo, pelo que já então produziam substâncias ácidas com que dissolviam minerais das rochas e dos solos.
Quando se encontraram, concluíram que constituíam o par perfeito: os fungos absorviam das algas amidos e açúcares, dando-lhes em troca os sais minerais .
O casamento perdura, e embora sejam constituídos por dois parceiros distintos, os líquenes são encarados com uma única identidade.
O sucesso da relação está patente no extenso número de variantes conhecidas: cerca de 15 000 já foram identificadas pelos cientistas e algumas conseguem proezas tão invulgares como sobreviver no espaço ou nos píncaros dos Himalaias .
No primeiro caso, um investigador espanhol realizou, há menos de dois anos, a experiência de, através da Agência Espacial Europeia, enviar uma cápsula com líquenes num foguetão.
Lá em cima, os pequenos seres estiveram 15 dias expostos à ausência de atmosfera, a temperaturas que variaram entre os 20 graus negativos e os 20 positivos e... voltaram vivos para a Terra.
Um artigo publicado a 10 de Novembro de 2005 na revista científica New Scientist considera que este exercício revelou que os líquenes poderão vir a colonizar Marte, pelo menos durante o Verão do planeta, quando as temperaturas são menos geladas.
Mas o top das utilidades do par fungo/alga encontra-se nos inóspitos pólos, onde são consideradas espécie-base, por ser o garante de toda a restante vida existente.
Que o digam as renas, que sobrevivem à custa dos líquenes que encontram debaixo da neve e asseguram assim toda a cadeia alimentar, propiciando a subsistência daqueles mamíferos e dos predadores que os caçam.
Os homens já conheciam algumas faculdades dos líquenes na pré-história, designadamente as características de coloração que utilizaram em pinturas rupestres e, mais tarde, para dar cor a tecidos.
Posteriormente, o alimento que a Bíblia diz ter caído do céu para alimentar os israelitas no deserto, conhecido por Maná, seria um líquene, segundo os cientistas, que consideram tratar-se da espécie com dimensões apreciáveis que rola pelas dunas empurrada pelo vento, como mostram alguns documentários sobre a Natureza.
Na actualidade, a produção de medicamentos é uma aplicação comum para algumas espécies com características antibióticas, outras na perfumaria e algumas mesmo pelas suas propriedades mortais, conhecidas por tribos índias que as utilizam para envenenar as pontas das setas com que caçam.
Mas a utilidade dos líquenes é de tal modo vasta, que das mais remotas paragens espaciais à mais terrena das necessidades há quase sempre uma parelha fungo/alga a ajudar.
Uma equipa do Centro de Ecologia e Biologia Vegetal da Faculdade de Ciências descobriu uma delas por acaso quando andava a fazer trabalho de campo na herdade de Rio Frio, na Margem Sul do Tejo.
Um pastor, curioso, aproximou-se para ver o trabalho dos investigadores com os líquenes e quando os viu manusear uma determinada espécie não resistiu a confessar que a usava para colocar dentro das botas nos quentes dias de Verão.
«Para refrescar os pés...», sugeriram os cientistas.
«Não, acaba com o mau cheiro», revelou.
Lusa / SOL
“Reproduzido com a devida autorização”
Informação Adicional: "Os fungos que descobriram a agricultura"
Sem comentários:
Enviar um comentário