quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Hugo Chávez, Putin, e o Nosso Olhar Europeu

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"Jornal «A GUARDA» - Edição de 28-06-2007"
SECÇÃO: Opinião

Numa entrevista à revista “Única”, do jornal “Expresso”, o Dr. Mário Soares, ao ser confrontado com uma visita à Venezuela, na qual conviveu de perto com Hugo Chávez, falou sobre este polémico político, dirigindo-lhe palavras de apreço.

Segundo o Dr. Soares, Hugo Chávez quer contribuir para fazer uma espécie de União Europeia na Ibero-América, no sentido de implementar o desenvolvimento sustentável da região, um projecto que acha na realidade muito ambicioso.

Disse ainda que o Presidente venezuelano lhe pareceu um homem de convicções, tendo como referência Simon Bolívar, e que pretende construir uma América Latina integrada e forte, livre do domínio norte-americano.

Numa outra intervenção política, esta do Primeiro-Ministro José Sócrates, aquando da sua visita à Rússia, o responsável português elogiou Putin, acrescentando que ninguém deve pretender dar lições de democracia àquele antigo e gigantesco país.

As palavras destes dois importantes homens da nossa vida pública, foram duramente criticadas por alguns dos nossos comentadores políticos, achando-as desajustadas, não condicentes com a realidade, e alguns adiantaram mesmo tratar-se apenas de uma clara cedência a uma “política de interesses”.

De facto, não sabemos até que ponto estas afirmações são mesmo sinceras e reflectem o que estes dois homens pensam e sentem, ou se apenas se tratam de afirmações “politicamente correctas”, ditas em momentos também “apropriados”. Todos sabemos como o mundo da política é muitas vezes falso, hipócrita, e extremamente movediço.

Colocando agora de lado os elogios a Chávez e Putin, e prestando atenção às opiniões dos nossos comentadores, não posso deixar de as sublinhar e criticar, pois quanto a mim, elas são sobretudo o reflexo de um olhar redutor e preconceituoso sobre o mundo, não percebendo ou não querendo perceber, ser o mundo humano um verdadeiro “mosaico” de gentes, de culturas, de tradições, de vivências, num constante e dinâmico processo, em busca do bem estar individual e colectivo.

Esta fixação do mundo ocidental na democracia representativa, sem sequer cuidar da sua qualidade, tomando-a como o modelo ideal de vida em comum, é um perfeito disparate, não levando em consideração a existência de outras experiências de vida, de outras condições, por vezes bem diferentes das nossas, e também não levando em linha de conta o factor tempo, circunstância determinante neste e noutros casos, pois cada país tem o seu particular percurso histórico, não falando já na sua posição geo-estratégica, o que também representa uma condicionante importante.

Os que tanto criticaram os elogios feitos a Putin e Chávez, acaso já pensaram que Portugal e Espanha chegaram à democracia apenas na década de setenta, quando os países mais desenvolvidos da Europa já viviam em democracia há um ror de anos?

Tudo tem o seu próprio ritmo, impor a democracia a ferro e fogo é um erro grosseiro, e muitas vezes tal desejo apenas encobre interesses egoístas por parte do mundo dito civilizado. A história recente está repleta de péssimos exemplos (Iraque, Palestina, Argélia, Chile, muitos países africanos, etc.).

Sem querer menosprezar a democracia formal instituída no mundo ocidental, reconhecendo indubitavelmente a sua essencial contribuição para a edificação de um mundo mais livre e justo, não se devem porém esconder as suas debilidades, muito menos o actual estado de coisas, no qual a democracia entretanto praticada está muito longe daqueles parâmetros considerados ideais, ou até mesmo satisfatórios.

De uma vez por todas, a civilização ocidental deve rever a sua posição face ao resto do mundo, pois não estamos sós, não somos o centro ou a única referência, nem sequer foi aqui que a saga humana teve início. Façamos o que fez Galileu e reconheçamos a realidade que nos rodeia.

A meu ver, os elogios prestados aos dois estadistas são justos e correspondem à verdade, verdade sempre relativa ao tempo presente e à vivência concreta daqueles dois países, que têm todo o direito de procurar por eles próprios os caminhos mais ajustados ao seu desenvolvimento.
Por: Telmo Cunha
Reproduzido com a devida autorização

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